quarta-feira, 13 de julho de 2011

O mau hálito está no ar…


…mas, felizmente, é possível despoluir a fonte dos gases fedidos. Milhões de pessoas exalam, sem saber, um odor que incomoda as narinas alheias e não desconfiam de onde ele vem. A origem nem sempre está na boca. Que tal acabar com o problema?
por Diogo Sponchiato 



Há dúvidas existenciais que aparecem em meio a uma conversa, deixando temporariamente sem resposta uma incerteza da alma. Uma delas, longe de buscar um sentido à vida, contempla um temor, o de desagradar o interlocutor — mais especificamente o nariz dele. Aí, o tema da conversa se extravia e a angústia sopra em direção à boca. Mau hálito: tenho ou não tenho... eis a questão. Essa pergunta atormenta, em algum momento, a maioria dos mortais. Afinal de contas, 99,99% dos seres humanos abrigam, de vez em quando, um fedor bucal — ou halitose, como preferem os especialistas.

Mas o odor que nos acompanha depois de uma noite de sono, menos intenso e passageiro, é uma reação natural do organismo, diferente do bafo que gruda no indivíduo do momento em que ele acorda até a hora de dormir. Esse, sim, indica que algo anda errado na boca ou em outro canto do corpo — na garganta, nos seios nasais, no intestino…

“Se, após tomar o café da manhã e escovar os dentes, o mau hálito persistir, há um possível problema”, alerta a dentista Caroline Calil, pesquisadora da Universidade de São Paulo. No caso, a poluição bucal é o sintoma, muitas vezes imperceptível ao olfato do emissor, de alguma desordem. “Cerca de 40% da população sofre de halitose crônica, que não desaparece após a higienização bucal”, estima a dentista Ana Christina Kolbe, presidente da seção baiana da Associação Brasileira de Halitose. Diga-se: existem mais de 60 origens para o mau cheiro, que foi alvo de uma nova revisão de estudos na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

O levantamento confirma o que já se observava no consultório: mais de 90% dos episódios de halitose patológica, mau cheiro que estigmatiza seu portador, provém mesmo da boca. E, aí, a higiene inadequada não leva a culpa sozinha. A causa de bafo campeã é a saburra lingual. “Trata-se de uma massa esbranquiçada, formada por células mortas, restos de alimentos e bactérias, que se acumula no dorso da língua, principalmente na parte de trás dela”, descreve Caroline. “Essa camada protege os micro-organismos do oxigênio, que é nocivo a eles, permitindo que se alimentem e se reproduzam”, conta Ana Christina. Sorte dos micróbios, azar do dono da boca e das narinas da vizinhança, reféns do odor de ovo podre. “As bactérias passam a liberar ali compostos gasosos à base de enxofre”, explica Caroline.

A popular saburra, no entanto, é apenas o desfecho de um processo, que envolve deficiências vitamínicas ou alterações na quantidade e na qualidade da saliva. “É esse líquido que garante a autolimpeza da cavidade bucal”, justifica o dentista paulista Arany Tunes, membro da Associação Internacional de Pesquisa sobre o Mau Hálito. Quando ele se encontra em baixa ou viscoso demais, a probabilidade de bactérias e companhia se depositarem na traseira da língua é muito maior. E por que as fábricas de saliva desaceleram a produção? “Ingestão inadequada de líquidos, dieta desequilibrada, distúrbios hormonais, infecções e até medicamentos podem prejudicar as glândulas salivares”, elenca a dentista Denise Falcão, da Universidade de Brasília (UnB).
Dessa lista não fica de fora o estresse, que também sabota o trabalho das glândulas. A tensão, aliás, é um capítulo à parte quando falamos em bafo. Ela contribui descaradamente para a erupção do mau cheiro, como comprovam duas pesquisas recentes conduzidas pela dentista Caroline Calil e seus colegas na Universidade Estadual de Campinas. No primeiro estudo, 40 voluntários foram submetidos a testes de desempenho mental com a duração de dois minutos. “Medimos o hálito dos participantes antes e depois da prova e notamos que, após a situação de estresse, aumenta a concentração de compostos à base de enxofre na boca”, relata Caroline. Se em dois minutos já ocorrem mudanças ali, que dirá em um extenso vestibular ou uma tarde de trabalho?! A outra descoberta é fruto de uma experiência em laboratório. Quando estamos nervosos, liberamos adrenalina, hormônio que chega à saliva. “Observamos que as bactérias conseguem se alimentar dessa substância”, conta Caroline. Esse banquete termina, é claro, com fogos de artifício, isto é, com a libertação daqueles gases fétidos.

Já deu para sentir que qualquer mau hálito persistente merece investigação. Até problemas nos rins e no fígado, além de tumores do aparelho digestivo, podem acender um odor desagradável. É preciso, nessas horas, se desvencilhar da vergonha e procurar um especialista em halitose — é ele quem possui o faro, a competência e os instrumentos necessários para caçar o foco da desordem. “O mau hálito só é curado quando conseguimos fechar o diagnóstico”, diz Ana Christina Kolbe.

Para chegar a ele, além da avaliação clínica e da análise do histórico do paciente, são recrutados alguns testes e equipamentos. “Solicitamos um exame de saliva e usamos aparelhos que medem a concentração de compostos gasosos na boca”, exemplifica Caroline Calil. Identificada a origem do fedor, pode-se, enfim, planejar o mutirão de limpeza. Se o mau cheiro provém de uma sinusite, a missão é desocupar os seios nasais. Se o intestino anda muito preguiçoso e sua moleza reverbera lá na cavidade bucal, um tratamento e mudanças de hábito podem embargar o esgoto. Por fim, se a amígdala é a sede do mau hálito, extirpálas é, muitas vezes, o caminho para purificar a garganta. “Hoje existem também enxaguatórios específicos para eliminar os cáseos, massas esbranquiçadas que se alojam ali”, lembra Maurício Duarte.

Mas... e a saburra, a líder das reclamações? Há produtos próprios para neutralizar o mau cheiro, mas a saída definitiva costuma exigir intervenções que equilibrem a produção de saliva. “Contamos com remédios que estimulam as glândulas salivares, bem como artefatos de silicone que, ao serem mastigados, aumentam a produção de saliva”, conta Arany Tunes. Entre as novidades terapêuticas voltadas à boca seca, destacam-se dispositivos eletrônicos que, insta lados dentro dela, instigam a salivação. “Eles são acoplados em uma placa de mordida ou em coroas parafusadas sobre implantes e, por meio de um controle remoto acionado pelo paciente, provocam um estímulo elétrico que atinge os nervos ligados às glândulas salivares”, diz Denise Falcão, que estuda essa solução em seu doutorado pela UnB. “Não há efeitos colaterais e os sinais emitidos são imperceptíveis ao paciente”, completa. É a mais alta tecnologia em prol de uma boca hidratada e de um hálito fresco e saudável.
O bafo matinal
É raro encontrar alguém que levanta da cama com um hálito balsâmico. “O mau cheiro, nesse caso, é normal e se deve à redução da saliva durante o sono e ao jejum prolongado da madrugada”, explica o dentista Maurício Duarte da Conceição, diretor da Clínica Halitus, em Campinas, no interior paulista. Não pense que o fedor vem do estômago. “Isso é um mito”, ressalta o gastroenterologista Francisco Salfer do Amaral, do Instituto de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva de Joinville, em Santa Catarina. Em jejum, cai o estoque de glicose, o combustível das células proveniente da alimentação. Para suprir a energia necessária, são quebradas moléculas de gordura, um fenômeno que libera substâncias gasosas cheias de enxofre. “Elas caem no sangue, passam pelos pulmões, onde ocorrem as trocas de gás, e, assim, são eliminadas quando expiramos”, conta Ana Christina. Sim, o fedor vem dos pulmões. A história se repete ao ficarmos horas sem comida.
Fragrância de alho
Quem degusta um prato temperado com esse condimento, especialmente sua versão crua, tem de aguentar mais tarde um bafo que espanta, dizem as lendas, até vampiro. Não adianta escovar os dentes nem lançar mão de balas. O odor só vai embora após substâncias como a alicina terminarem sua viagem pelo corpo. Depois de absorvidas, elas caem no sangue e trafegam até os pulmões e... já viu. Com a coleta dos gases que precisam ser eliminados, são captadas e endereçadas à boca durante a expiração. Assim surge aquele bafo de alho, que, no campo da gastronomia, também é causado pela cebola e outros temperos.
Será que eu tenho?
Voltamos à questão que inaugurou esta reportagem: saber se há um jeito fácil e caseiro de flagrar o mau hálito. Ora, muitos portadores do transtorno desenvolvem uma fadiga olfativa e deixam de sentir sua própria emanação. Já adiantamos que não há um método 100% eficaz de fazer um autoexame. Bafejar na palma da mão ou passar uma gaze na língua nem sempre oferece a resposta correta. “Há pessoas com baixa salivação que tampouco têm a sensação de boca seca”, diz Arany Tunes. Agora, quando o bafo — ou uma sensação de gosto ruim na boca — persiste após a escovação, há bons sinais do problema. Uma das melhores formas de surpreendê-lo quando as próprias narinas não estão aptas a identificar o mau cheiro é sondar amigos ou familiares. E, caso a suspeita se confirme, correr para o dentista.
Roteiro contra o bafo

Hidrate-se
Como 99% da saliva é constituída de água, manter-se hidratado é fundamental para garantir a quantidade e a qualidade ideais do líquido.

Mastigue bem
Para tanto, aposte nos alimentos ricos em fibra. Duros de quebrar, eles exigem mais mordidas, o que incita a fabricação de saliva.

Controle o estresse
Como você já viu, a tensão míngua a produção salivar e ainda contribui com a multiplicação das bactérias que dominam a língua.

Maneire no álcool
Em excesso, ele provoca uma desidratação que não poupa a cavidade bucal. Quem já experimentou uma ressaca conhece bem a sensação de boca seca.

Não abuse de balas e afins
Se você recorre a elas de minuto em minuto, tome cuidado. Elas podem mascarar uma halitose e, em vez de resolver o problema, são capazes de amplificá-lo.

Coma a cada quatro horas
O jejum é um gatilho para o mau hálito. Portanto, trate de repartir as refeições ao longo do dia, de modo que seu corpo permaneça sempre abastecido.
Por um canteiro de flores
Exageros à parte, uma higienização bucal adequada ajuda, e muito, a espantar o mau hálito

Fio dental
Ele entra em ação para remover os restos de alimento que se depositam entre os dentes e a gengiva — uma refeição completa para as bactérias. “Deve ser usado antes da escova. Caso contrário, seria a mesma coisa que lavar a casa antes de varrê-la”, diz Ana Christina Kolbe. Se o fio apresentar marcas constantes de sangue ou ficar com manchas amarelas ou marrons, visite o dentista. Pode ser uma gengivite ou seu estágio mais grave, a periodontite.

Escova e pasta dentais
A higiene da boca é mecânica, ou seja, depende dos serviços prestados pela escova. É bobagem exagerar na porção de pasta, o que confere uma sensação ilusória de frescor. “A quantidade ideal é a de um grão de ervilha”, afirma Ana Christina. Com a carga correta, a escova está pronta para fazer a faxina de todos os dentes após as refeições. Vale caprichar na limpeza antes de dormir, porque, durante o sono, cai a oferta de saliva.

Enxaguatório
Existem dezenas de fórmulas do produto destinado aos bochechos. “O enxaguatório não faz mal à saúde, mas o perigo é substituir a escovação por ele”, diz Caroline Calil. Existem versões específicas e eficazes para combater o mau hálito, outras para controlar as cáries... O ideal, contudo, é que elas sejam receitadas pelo dentista. O uso indiscriminado de alguns antissépticos, sobretudo os que contêm álcool, pode causar lesões na mucosa da boca.

Limpador de língua
O utensílio faz mesmo a diferença. “Enquanto a escova retira 0,6 grama de saburra lingual, o limpador recolhe 2, 3 gramas”, compara Ana Christina. Tamanha presteza depende da eleição de um bom modelo — e, aí, o conselho é conversar com o seu dentista. Há mais vantagens que pesam a favor do limpador. “Mesmo no fundo da língua ele não provoca tanta ânsia”, diz Caroline. “Além disso, as cerdas da escova danificam mais as papilas gustativas”, conclui Ana.

Há dúvidas existenciais que aparecem em meio a uma conversa, deixando temporariamente sem resposta uma incerteza da alma. Uma delas, longe de buscar um sentido à vida, contempla um temor, o de desagradar o interlocutor — mais especificamente o nariz dele. Aí, o tema da conversa se extravia e a angústia sopra em direção à boca. Mau hálito: tenho ou não tenho... eis a questão. Essa pergunta atormenta, em algum momento, a maioria dos mortais. Afinal de contas, 99,99% dos seres humanos abrigam, de vez em quando, um fedor bucal — ou halitose, como preferem os especialistas.

Mas o odor que nos acompanha depois de uma noite de sono, menos intenso e passageiro, é uma reação natural do organismo, diferente do bafo que gruda no indivíduo do momento em que ele acorda até a hora de dormir. Esse, sim, indica que algo anda errado na boca ou em outro canto do corpo — na garganta, nos seios nasais, no intestino…

“Se, após tomar o café da manhã e escovar os dentes, o mau hálito persistir, há um possível problema”, alerta a dentista Caroline Calil, pesquisadora da Universidade de São Paulo. No caso, a poluição bucal é o sintoma, muitas vezes imperceptível ao olfato do emissor, de alguma desordem. “Cerca de 40% da população sofre de halitose crônica, que não desaparece após a higienização bucal”, estima a dentista Ana Christina Kolbe, presidente da seção baiana da Associação Brasileira de Halitose. Diga-se: existem mais de 60 origens para o mau cheiro, que foi alvo de uma nova revisão de estudos na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

O levantamento confirma o que já se observava no consultório: mais de 90% dos episódios de halitose patológica, mau cheiro que estigmatiza seu portador, provém mesmo da boca. E, aí, a higiene inadequada não leva a culpa sozinha. A causa de bafo campeã é a saburra lingual. “Trata-se de uma massa esbranquiçada, formada por células mortas, restos de alimentos e bactérias, que se acumula no dorso da língua, principalmente na parte de trás dela”, descreve Caroline. “Essa camada protege os micro-organismos do oxigênio, que é nocivo a eles, permitindo que se alimentem e se reproduzam”, conta Ana Christina. Sorte dos micróbios, azar do dono da boca e das narinas da vizinhança, reféns do odor de ovo podre. “As bactérias passam a liberar ali compostos gasosos à base de enxofre”, explica Caroline.

A popular saburra, no entanto, é apenas o desfecho de um processo, que envolve deficiências vitamínicas ou alterações na quantidade e na qualidade da saliva. “É esse líquido que garante a autolimpeza da cavidade bucal”, justifica o dentista paulista Arany Tunes, membro da Associação Internacional de Pesquisa sobre o Mau Hálito. Quando ele se encontra em baixa ou viscoso demais, a probabilidade de bactérias e companhia se depositarem na traseira da língua é muito maior. E por que as fábricas de saliva desaceleram a produção? “Ingestão inadequada de líquidos, dieta desequilibrada, distúrbios hormonais, infecções e até medicamentos podem prejudicar as glândulas salivares”, elenca a dentista Denise Falcão, da Universidade de Brasília (UnB).
Dessa lista não fica de fora o estresse, que também sabota o trabalho das glândulas. A tensão, aliás, é um capítulo à parte quando falamos em bafo. Ela contribui descaradamente para a erupção do mau cheiro, como comprovam duas pesquisas recentes conduzidas pela dentista Caroline Calil e seus colegas na Universidade Estadual de Campinas. No primeiro estudo, 40 voluntários foram submetidos a testes de desempenho mental com a duração de dois minutos. “Medimos o hálito dos participantes antes e depois da prova e notamos que, após a situação de estresse, aumenta a concentração de compostos à base de enxofre na boca”, relata Caroline. Se em dois minutos já ocorrem mudanças ali, que dirá em um extenso vestibular ou uma tarde de trabalho?! A outra descoberta é fruto de uma experiência em laboratório. Quando estamos nervosos, liberamos adrenalina, hormônio que chega à saliva. “Observamos que as bactérias conseguem se alimentar dessa substância”, conta Caroline. Esse banquete termina, é claro, com fogos de artifício, isto é, com a libertação daqueles gases fétidos.

Já deu para sentir que qualquer mau hálito persistente merece investigação. Até problemas nos rins e no fígado, além de tumores do aparelho digestivo, podem acender um odor desagradável. É preciso, nessas horas, se desvencilhar da vergonha e procurar um especialista em halitose — é ele quem possui o faro, a competência e os instrumentos necessários para caçar o foco da desordem. “O mau hálito só é curado quando conseguimos fechar o diagnóstico”, diz Ana Christina Kolbe.

Para chegar a ele, além da avaliação clínica e da análise do histórico do paciente, são recrutados alguns testes e equipamentos. “Solicitamos um exame de saliva e usamos aparelhos que medem a concentração de compostos gasosos na boca”, exemplifica Caroline Calil. Identificada a origem do fedor, pode-se, enfim, planejar o mutirão de limpeza. Se o mau cheiro provém de uma sinusite, a missão é desocupar os seios nasais. Se o intestino anda muito preguiçoso e sua moleza reverbera lá na cavidade bucal, um tratamento e mudanças de hábito podem embargar o esgoto. Por fim, se a amígdala é a sede do mau hálito, extirpálas é, muitas vezes, o caminho para purificar a garganta. “Hoje existem também enxaguatórios específicos para eliminar os cáseos, massas esbranquiçadas que se alojam ali”, lembra Maurício Duarte.

Mas... e a saburra, a líder das reclamações? Há produtos próprios para neutralizar o mau cheiro, mas a saída definitiva costuma exigir intervenções que equilibrem a produção de saliva. “Contamos com remédios que estimulam as glândulas salivares, bem como artefatos de silicone que, ao serem mastigados, aumentam a produção de saliva”, conta Arany Tunes. Entre as novidades terapêuticas voltadas à boca seca, destacam-se dispositivos eletrônicos que, insta lados dentro dela, instigam a salivação. “Eles são acoplados em uma placa de mordida ou em coroas parafusadas sobre implantes e, por meio de um controle remoto acionado pelo paciente, provocam um estímulo elétrico que atinge os nervos ligados às glândulas salivares”, diz Denise Falcão, que estuda essa solução em seu doutorado pela UnB. “Não há efeitos colaterais e os sinais emitidos são imperceptíveis ao paciente”, completa. É a mais alta tecnologia em prol de uma boca hidratada e de um hálito fresco e saudável.
O bafo matinal
É raro encontrar alguém que levanta da cama com um hálito balsâmico. “O mau cheiro, nesse caso, é normal e se deve à redução da saliva durante o sono e ao jejum prolongado da madrugada”, explica o dentista Maurício Duarte da Conceição, diretor da Clínica Halitus, em Campinas, no interior paulista. Não pense que o fedor vem do estômago. “Isso é um mito”, ressalta o gastroenterologista Francisco Salfer do Amaral, do Instituto de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva de Joinville, em Santa Catarina. Em jejum, cai o estoque de glicose, o combustível das células proveniente da alimentação. Para suprir a energia necessária, são quebradas moléculas de gordura, um fenômeno que libera substâncias gasosas cheias de enxofre. “Elas caem no sangue, passam pelos pulmões, onde ocorrem as trocas de gás, e, assim, são eliminadas quando expiramos”, conta Ana Christina. Sim, o fedor vem dos pulmões. A história se repete ao ficarmos horas sem comida.

Fragrância de alho
Quem degusta um prato temperado com esse condimento, especialmente sua versão crua, tem de aguentar mais tarde um bafo que espanta, dizem as lendas, até vampiro. Não adianta escovar os dentes nem lançar mão de balas. O odor só vai embora após substâncias como a alicina terminarem sua viagem pelo corpo. Depois de absorvidas, elas caem no sangue e trafegam até os pulmões e... já viu. Com a coleta dos gases que precisam ser eliminados, são captadas e endereçadas à boca durante a expiração. Assim surge aquele bafo de alho, que, no campo da gastronomia, também é causado pela cebola e outros temperos.
Será que eu tenho?
Voltamos à questão que inaugurou esta reportagem: saber se há um jeito fácil e caseiro de flagrar o mau hálito. Ora, muitos portadores do transtorno desenvolvem uma fadiga olfativa e deixam de sentir sua própria emanação. Já adiantamos que não há um método 100% eficaz de fazer um autoexame. Bafejar na palma da mão ou passar uma gaze na língua nem sempre oferece a resposta correta. “Há pessoas com baixa salivação que tampouco têm a sensação de boca seca”, diz Arany Tunes. Agora, quando o bafo — ou uma sensação de gosto ruim na boca — persiste após a escovação, há bons sinais do problema. Uma das melhores formas de surpreendê-lo quando as próprias narinas não estão aptas a identificar o mau cheiro é sondar amigos ou familiares. E, caso a suspeita se confirme, correr para o dentista.
Roteiro contra o bafo

Hidrate-se
Como 99% da saliva é constituída de água, manter-se hidratado é fundamental para garantir a quantidade e a qualidade ideais do líquido.

Mastigue bem
Para tanto, aposte nos alimentos ricos em fibra. Duros de quebrar, eles exigem mais mordidas, o que incita a fabricação de saliva.

Controle o estresse
Como você já viu, a tensão míngua a produção salivar e ainda contribui com a multiplicação das bactérias que dominam a língua.

Maneire no álcool
Em excesso, ele provoca uma desidratação que não poupa a cavidade bucal. Quem já experimentou uma ressaca conhece bem a sensação de boca seca.

Não abuse de balas e afins
Se você recorre a elas de minuto em minuto, tome cuidado. Elas podem mascarar uma halitose e, em vez de resolver o problema, são capazes de amplificá-lo.

Coma a cada quatro horas
O jejum é um gatilho para o mau hálito. Portanto, trate de repartir as refeições ao longo do dia, de modo que seu corpo permaneça sempre abastecido.
Por um canteiro de flores
Exageros à parte, uma higienização bucal adequada ajuda, e muito, a espantar o mau hálito

Fio dental
Ele entra em ação para remover os restos de alimento que se depositam entre os dentes e a gengiva — uma refeição completa para as bactérias. “Deve ser usado antes da escova. Caso contrário, seria a mesma coisa que lavar a casa antes de varrê-la”, diz Ana Christina Kolbe. Se o fio apresentar marcas constantes de sangue ou ficar com manchas amarelas ou marrons, visite o dentista. Pode ser uma gengivite ou seu estágio mais grave, a periodontite.

Escova e pasta dentais
A higiene da boca é mecânica, ou seja, depende dos serviços prestados pela escova. É bobagem exagerar na porção de pasta, o que confere uma sensação ilusória de frescor. “A quantidade ideal é a de um grão de ervilha”, afirma Ana Christina. Com a carga correta, a escova está pronta para fazer a faxina de todos os dentes após as refeições. Vale caprichar na limpeza antes de dormir, porque, durante o sono, cai a oferta de saliva.

Enxaguatório
Existem dezenas de fórmulas do produto destinado aos bochechos. “O enxaguatório não faz mal à saúde, mas o perigo é substituir a escovação por ele”, diz Caroline Calil. Existem versões específicas e eficazes para combater o mau hálito, outras para controlar as cáries... O ideal, contudo, é que elas sejam receitadas pelo dentista. O uso indiscriminado de alguns antissépticos, sobretudo os que contêm álcool, pode causar lesões na mucosa da boca.

Limpador de língua
O utensílio faz mesmo a diferença. “Enquanto a escova retira 0,6 grama de saburra lingual, o limpador recolhe 2, 3 gramas”, compara Ana Christina. Tamanha presteza depende da eleição de um bom modelo — e, aí, o conselho é conversar com o seu dentista. Há mais vantagens que pesam a favor do limpador. “Mesmo no fundo da língua ele não provoca tanta ânsia”, diz Caroline. “Além disso, as cerdas da escova danificam mais as papilas gustativas”, conclui Ana.

Há dúvidas existenciais que aparecem em meio a uma conversa, deixando temporariamente sem resposta uma incerteza da alma. Uma delas, longe de buscar um sentido à vida, contempla um temor, o de desagradar o interlocutor — mais especificamente o nariz dele. Aí, o tema da conversa se extravia e a angústia sopra em direção à boca. Mau hálito: tenho ou não tenho... eis a questão. Essa pergunta atormenta, em algum momento, a maioria dos mortais. Afinal de contas, 99,99% dos seres humanos abrigam, de vez em quando, um fedor bucal — ou halitose, como preferem os especialistas.

Mas o odor que nos acompanha depois de uma noite de sono, menos intenso e passageiro, é uma reação natural do organismo, diferente do bafo que gruda no indivíduo do momento em que ele acorda até a hora de dormir. Esse, sim, indica que algo anda errado na boca ou em outro canto do corpo — na garganta, nos seios nasais, no intestino…

“Se, após tomar o café da manhã e escovar os dentes, o mau hálito persistir, há um possível problema”, alerta a dentista Caroline Calil, pesquisadora da Universidade de São Paulo. No caso, a poluição bucal é o sintoma, muitas vezes imperceptível ao olfato do emissor, de alguma desordem. “Cerca de 40% da população sofre de halitose crônica, que não desaparece após a higienização bucal”, estima a dentista Ana Christina Kolbe, presidente da seção baiana da Associação Brasileira de Halitose. Diga-se: existem mais de 60 origens para o mau cheiro, que foi alvo de uma nova revisão de estudos na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

O levantamento confirma o que já se observava no consultório: mais de 90% dos episódios de halitose patológica, mau cheiro que estigmatiza seu portador, provém mesmo da boca. E, aí, a higiene inadequada não leva a culpa sozinha. A causa de bafo campeã é a saburra lingual. “Trata-se de uma massa esbranquiçada, formada por células mortas, restos de alimentos e bactérias, que se acumula no dorso da língua, principalmente na parte de trás dela”, descreve Caroline. “Essa camada protege os micro-organismos do oxigênio, que é nocivo a eles, permitindo que se alimentem e se reproduzam”, conta Ana Christina. Sorte dos micróbios, azar do dono da boca e das narinas da vizinhança, reféns do odor de ovo podre. “As bactérias passam a liberar ali compostos gasosos à base de enxofre”, explica Caroline.

A popular saburra, no entanto, é apenas o desfecho de um processo, que envolve deficiências vitamínicas ou alterações na quantidade e na qualidade da saliva. “É esse líquido que garante a autolimpeza da cavidade bucal”, justifica o dentista paulista Arany Tunes, membro da Associação Internacional de Pesquisa sobre o Mau Hálito. Quando ele se encontra em baixa ou viscoso demais, a probabilidade de bactérias e companhia se depositarem na traseira da língua é muito maior. E por que as fábricas de saliva desaceleram a produção? “Ingestão inadequada de líquidos, dieta desequilibrada, distúrbios hormonais, infecções e até medicamentos podem prejudicar as glândulas salivares”, elenca a dentista Denise Falcão, da Universidade de Brasília (UnB).
Dessa lista não fica de fora o estresse, que também sabota o trabalho das glândulas. A tensão, aliás, é um capítulo à parte quando falamos em bafo. Ela contribui descaradamente para a erupção do mau cheiro, como comprovam duas pesquisas recentes conduzidas pela dentista Caroline Calil e seus colegas na Universidade Estadual de Campinas. No primeiro estudo, 40 voluntários foram submetidos a testes de desempenho mental com a duração de dois minutos. “Medimos o hálito dos participantes antes e depois da prova e notamos que, após a situação de estresse, aumenta a concentração de compostos à base de enxofre na boca”, relata Caroline. Se em dois minutos já ocorrem mudanças ali, que dirá em um extenso vestibular ou uma tarde de trabalho?! A outra descoberta é fruto de uma experiência em laboratório. Quando estamos nervosos, liberamos adrenalina, hormônio que chega à saliva. “Observamos que as bactérias conseguem se alimentar dessa substância”, conta Caroline. Esse banquete termina, é claro, com fogos de artifício, isto é, com a libertação daqueles gases fétidos.

Já deu para sentir que qualquer mau hálito persistente merece investigação. Até problemas nos rins e no fígado, além de tumores do aparelho digestivo, podem acender um odor desagradável. É preciso, nessas horas, se desvencilhar da vergonha e procurar um especialista em halitose — é ele quem possui o faro, a competência e os instrumentos necessários para caçar o foco da desordem. “O mau hálito só é curado quando conseguimos fechar o diagnóstico”, diz Ana Christina Kolbe.

Para chegar a ele, além da avaliação clínica e da análise do histórico do paciente, são recrutados alguns testes e equipamentos. “Solicitamos um exame de saliva e usamos aparelhos que medem a concentração de compostos gasosos na boca”, exemplifica Caroline Calil. Identificada a origem do fedor, pode-se, enfim, planejar o mutirão de limpeza. Se o mau cheiro provém de uma sinusite, a missão é desocupar os seios nasais. Se o intestino anda muito preguiçoso e sua moleza reverbera lá na cavidade bucal, um tratamento e mudanças de hábito podem embargar o esgoto. Por fim, se a amígdala é a sede do mau hálito, extirpálas é, muitas vezes, o caminho para purificar a garganta. “Hoje existem também enxaguatórios específicos para eliminar os cáseos, massas esbranquiçadas que se alojam ali”, lembra Maurício Duarte.

Mas... e a saburra, a líder das reclamações? Há produtos próprios para neutralizar o mau cheiro, mas a saída definitiva costuma exigir intervenções que equilibrem a produção de saliva. “Contamos com remédios que estimulam as glândulas salivares, bem como artefatos de silicone que, ao serem mastigados, aumentam a produção de saliva”, conta Arany Tunes. Entre as novidades terapêuticas voltadas à boca seca, destacam-se dispositivos eletrônicos que, insta lados dentro dela, instigam a salivação. “Eles são acoplados em uma placa de mordida ou em coroas parafusadas sobre implantes e, por meio de um controle remoto acionado pelo paciente, provocam um estímulo elétrico que atinge os nervos ligados às glândulas salivares”, diz Denise Falcão, que estuda essa solução em seu doutorado pela UnB. “Não há efeitos colaterais e os sinais emitidos são imperceptíveis ao paciente”, completa. É a mais alta tecnologia em prol de uma boca hidratada e de um hálito fresco e saudável.
O bafo matinal
É raro encontrar alguém que levanta da cama com um hálito balsâmico. “O mau cheiro, nesse caso, é normal e se deve à redução da saliva durante o sono e ao jejum prolongado da madrugada”, explica o dentista Maurício Duarte da Conceição, diretor da Clínica Halitus, em Campinas, no interior paulista. Não pense que o fedor vem do estômago. “Isso é um mito”, ressalta o gastroenterologista Francisco Salfer do Amaral, do Instituto de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva de Joinville, em Santa Catarina. Em jejum, cai o estoque de glicose, o combustível das células proveniente da alimentação. Para suprir a energia necessária, são quebradas moléculas de gordura, um fenômeno que libera substâncias gasosas cheias de enxofre. “Elas caem no sangue, passam pelos pulmões, onde ocorrem as trocas de gás, e, assim, são eliminadas quando expiramos”, conta Ana Christina. Sim, o fedor vem dos pulmões. A história se repete ao ficarmos horas sem comida.
Fragrância de alho
Quem degusta um prato temperado com esse condimento, especialmente sua versão crua, tem de aguentar mais tarde um bafo que espanta, dizem as lendas, até vampiro. Não adianta escovar os dentes nem lançar mão de balas. O odor só vai embora após substâncias como a alicina terminarem sua viagem pelo corpo. Depois de absorvidas, elas caem no sangue e trafegam até os pulmões e... já viu. Com a coleta dos gases que precisam ser eliminados, são captadas e endereçadas à boca durante a expiração. Assim surge aquele bafo de alho, que, no campo da gastronomia, também é causado pela cebola e outros temperos.
Será que eu tenho?
Voltamos à questão que inaugurou esta reportagem: saber se há um jeito fácil e caseiro de flagrar o mau hálito. Ora, muitos portadores do transtorno desenvolvem uma fadiga olfativa e deixam de sentir sua própria emanação. Já adiantamos que não há um método 100% eficaz de fazer um autoexame. Bafejar na palma da mão ou passar uma gaze na língua nem sempre oferece a resposta correta. “Há pessoas com baixa salivação que tampouco têm a sensação de boca seca”, diz Arany Tunes. Agora, quando o bafo — ou uma sensação de gosto ruim na boca — persiste após a escovação, há bons sinais do problema. Uma das melhores formas de surpreendê-lo quando as próprias narinas não estão aptas a identificar o mau cheiro é sondar amigos ou familiares. E, caso a suspeita se confirme, correr para o dentista.

Roteiro contra o bafo

Hidrate-se
Como 99% da saliva é constituída de água, manter-se hidratado é fundamental para garantir a quantidade e a qualidade ideais do líquido.

Mastigue bem
Para tanto, aposte nos alimentos ricos em fibra. Duros de quebrar, eles exigem mais mordidas, o que incita a fabricação de saliva.

Controle o estresse
Como você já viu, a tensão míngua a produção salivar e ainda contribui com a multiplicação das bactérias que dominam a língua.

Maneire no álcool
Em excesso, ele provoca uma desidratação que não poupa a cavidade bucal. Quem já experimentou uma ressaca conhece bem a sensação de boca seca.

Não abuse de balas e afins
Se você recorre a elas de minuto em minuto, tome cuidado. Elas podem mascarar uma halitose e, em vez de resolver o problema, são capazes de amplificá-lo.

Coma a cada quatro horas
O jejum é um gatilho para o mau hálito. Portanto, trate de repartir as refeições ao longo do dia, de modo que seu corpo permaneça sempre abastecido.
Por um canteiro de flores
Exageros à parte, uma higienização bucal adequada ajuda, e muito, a espantar o mau hálito

Fio dental
Ele entra em ação para remover os restos de alimento que se depositam entre os dentes e a gengiva — uma refeição completa para as bactérias. “Deve ser usado antes da escova. Caso contrário, seria a mesma coisa que lavar a casa antes de varrê-la”, diz Ana Christina Kolbe. Se o fio apresentar marcas constantes de sangue ou ficar com manchas amarelas ou marrons, visite o dentista. Pode ser uma gengivite ou seu estágio mais grave, a periodontite.

Escova e pasta dentais
A higiene da boca é mecânica, ou seja, depende dos serviços prestados pela escova. É bobagem exagerar na porção de pasta, o que confere uma sensação ilusória de frescor. “A quantidade ideal é a de um grão de ervilha”, afirma Ana Christina. Com a carga correta, a escova está pronta para fazer a faxina de todos os dentes após as refeições. Vale caprichar na limpeza antes de dormir, porque, durante o sono, cai a oferta de saliva.

Enxaguatório
Existem dezenas de fórmulas do produto destinado aos bochechos. “O enxaguatório não faz mal à saúde, mas o perigo é substituir a escovação por ele”, diz Caroline Calil. Existem versões específicas e eficazes para combater o mau hálito, outras para controlar as cáries... O ideal, contudo, é que elas sejam receitadas pelo dentista. O uso indiscriminado de alguns antissépticos, sobretudo os que contêm álcool, pode causar lesões na mucosa da boca.

Limpador de língua
O utensílio faz mesmo a diferença. “Enquanto a escova retira 0,6 grama de saburra lingual, o limpador recolhe 2, 3 gramas”, compara Ana Christina. Tamanha presteza depende da eleição de um bom modelo — e, aí, o conselho é conversar com o seu dentista. Há mais vantagens que pesam a favor do limpador. “Mesmo no fundo da língua ele não provoca tanta ânsia”, diz Caroline. “Além disso, as cerdas da escova danificam mais as papilas gustativas”, conclui Ana.

Há dúvidas existenciais que aparecem em meio a uma conversa, deixando temporariamente sem resposta uma incerteza da alma. Uma delas, longe de buscar um sentido à vida, contempla um temor, o de desagradar o interlocutor — mais especificamente o nariz dele. Aí, o tema da conversa se extravia e a angústia sopra em direção à boca. Mau hálito: tenho ou não tenho... eis a questão. Essa pergunta atormenta, em algum momento, a maioria dos mortais. Afinal de contas, 99,99% dos seres humanos abrigam, de vez em quando, um fedor bucal — ou halitose, como preferem os especialistas.

Mas o odor que nos acompanha depois de uma noite de sono, menos intenso e passageiro, é uma reação natural do organismo, diferente do bafo que gruda no indivíduo do momento em que ele acorda até a hora de dormir. Esse, sim, indica que algo anda errado na boca ou em outro canto do corpo — na garganta, nos seios nasais, no intestino…

“Se, após tomar o café da manhã e escovar os dentes, o mau hálito persistir, há um possível problema”, alerta a dentista Caroline Calil, pesquisadora da Universidade de São Paulo. No caso, a poluição bucal é o sintoma, muitas vezes imperceptível ao olfato do emissor, de alguma desordem. “Cerca de 40% da população sofre de halitose crônica, que não desaparece após a higienização bucal”, estima a dentista Ana Christina Kolbe, presidente da seção baiana da Associação Brasileira de Halitose. Diga-se: existem mais de 60 origens para o mau cheiro, que foi alvo de uma nova revisão de estudos na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

O levantamento confirma o que já se observava no consultório: mais de 90% dos episódios de halitose patológica, mau cheiro que estigmatiza seu portador, provém mesmo da boca. E, aí, a higiene inadequada não leva a culpa sozinha. A causa de bafo campeã é a saburra lingual. “Trata-se de uma massa esbranquiçada, formada por células mortas, restos de alimentos e bactérias, que se acumula no dorso da língua, principalmente na parte de trás dela”, descreve Caroline. “Essa camada protege os micro-organismos do oxigênio, que é nocivo a eles, permitindo que se alimentem e se reproduzam”, conta Ana Christina. Sorte dos micróbios, azar do dono da boca e das narinas da vizinhança, reféns do odor de ovo podre. “As bactérias passam a liberar ali compostos gasosos à base de enxofre”, explica Caroline.

A popular saburra, no entanto, é apenas o desfecho de um processo, que envolve deficiências vitamínicas ou alterações na quantidade e na qualidade da saliva. “É esse líquido que garante a autolimpeza da cavidade bucal”, justifica o dentista paulista Arany Tunes, membro da Associação Internacional de Pesquisa sobre o Mau Hálito. Quando ele se encontra em baixa ou viscoso demais, a probabilidade de bactérias e companhia se depositarem na traseira da língua é muito maior. E por que as fábricas de saliva desaceleram a produção? “Ingestão inadequada de líquidos, dieta desequilibrada, distúrbios hormonais, infecções e até medicamentos podem prejudicar as glândulas salivares”, elenca a dentista Denise Falcão, da Universidade de Brasília (UnB).

Dessa lista não fica de fora o estresse, que também sabota o trabalho das glândulas. A tensão, aliás, é um capítulo à parte quando falamos em bafo. Ela contribui descaradamente para a erupção do mau cheiro, como comprovam duas pesquisas recentes conduzidas pela dentista Caroline Calil e seus colegas na Universidade Estadual de Campinas. No primeiro estudo, 40 voluntários foram submetidos a testes de desempenho mental com a duração de dois minutos. “Medimos o hálito dos participantes antes e depois da prova e notamos que, após a situação de estresse, aumenta a concentração de compostos à base de enxofre na boca”, relata Caroline. Se em dois minutos já ocorrem mudanças ali, que dirá em um extenso vestibular ou uma tarde de trabalho?! A outra descoberta é fruto de uma experiência em laboratório. Quando estamos nervosos, liberamos adrenalina, hormônio que chega à saliva. “Observamos que as bactérias conseguem se alimentar dessa substância”, conta Caroline. Esse banquete termina, é claro, com fogos de artifício, isto é, com a libertação daqueles gases fétidos.

Já deu para sentir que qualquer mau hálito persistente merece investigação. Até problemas nos rins e no fígado, além de tumores do aparelho digestivo, podem acender um odor desagradável. É preciso, nessas horas, se desvencilhar da vergonha e procurar um especialista em halitose — é ele quem possui o faro, a competência e os instrumentos necessários para caçar o foco da desordem. “O mau hálito só é curado quando conseguimos fechar o diagnóstico”, diz Ana Christina Kolbe.

Para chegar a ele, além da avaliação clínica e da análise do histórico do paciente, são recrutados alguns testes e equipamentos. “Solicitamos um exame de saliva e usamos aparelhos que medem a concentração de compostos gasosos na boca”, exemplifica Caroline Calil. Identificada a origem do fedor, pode-se, enfim, planejar o mutirão de limpeza. Se o mau cheiro provém de uma sinusite, a missão é desocupar os seios nasais. Se o intestino anda muito preguiçoso e sua moleza reverbera lá na cavidade bucal, um tratamento e mudanças de hábito podem embargar o esgoto. Por fim, se a amígdala é a sede do mau hálito, extirpálas é, muitas vezes, o caminho para purificar a garganta. “Hoje existem também enxaguatórios específicos para eliminar os cáseos, massas esbranquiçadas que se alojam ali”, lembra Maurício Duarte.

Mas... e a saburra, a líder das reclamações? Há produtos próprios para neutralizar o mau cheiro, mas a saída definitiva costuma exigir intervenções que equilibrem a produção de saliva. “Contamos com remédios que estimulam as glândulas salivares, bem como artefatos de silicone que, ao serem mastigados, aumentam a produção de saliva”, conta Arany Tunes. Entre as novidades terapêuticas voltadas à boca seca, destacam-se dispositivos eletrônicos que, insta lados dentro dela, instigam a salivação. “Eles são acoplados em uma placa de mordida ou em coroas parafusadas sobre implantes e, por meio de um controle remoto acionado pelo paciente, provocam um estímulo elétrico que atinge os nervos ligados às glândulas salivares”, diz Denise Falcão, que estuda essa solução em seu doutorado pela UnB. “Não há efeitos colaterais e os sinais emitidos são imperceptíveis ao paciente”, completa. É a mais alta tecnologia em prol de uma boca hidratada e de um hálito fresco e saudável.

O bafo matinal
É raro encontrar alguém que levanta da cama com um hálito balsâmico. “O mau cheiro, nesse caso, é normal e se deve à redução da saliva durante o sono e ao jejum prolongado da madrugada”, explica o dentista Maurício Duarte da Conceição, diretor da Clínica Halitus, em Campinas, no interior paulista. Não pense que o fedor vem do estômago. “Isso é um mito”, ressalta o gastroenterologista Francisco Salfer do Amaral, do Instituto de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva de Joinville, em Santa Catarina. Em jejum, cai o estoque de glicose, o combustível das células proveniente da alimentação. Para suprir a energia necessária, são quebradas moléculas de gordura, um fenômeno que libera substâncias gasosas cheias de enxofre. “Elas caem no sangue, passam pelos pulmões, onde ocorrem as trocas de gás, e, assim, são eliminadas quando expiramos”, conta Ana Christina. Sim, o fedor vem dos pulmões. A história se repete ao ficarmos horas sem comida.
Fragrância de alho
Quem degusta um prato temperado com esse condimento, especialmente sua versão crua, tem de aguentar mais tarde um bafo que espanta, dizem as lendas, até vampiro. Não adianta escovar os dentes nem lançar mão de balas. O odor só vai embora após substâncias como a alicina terminarem sua viagem pelo corpo. Depois de absorvidas, elas caem no sangue e trafegam até os pulmões e... já viu. Com a coleta dos gases que precisam ser eliminados, são captadas e endereçadas à boca durante a expiração. Assim surge aquele bafo de alho, que, no campo da gastronomia, também é causado pela cebola e outros temperos.

Será que eu tenho?
Voltamos à questão que inaugurou esta reportagem: saber se há um jeito fácil e caseiro de flagrar o mau hálito. Ora, muitos portadores do transtorno desenvolvem uma fadiga olfativa e deixam de sentir sua própria emanação. Já adiantamos que não há um método 100% eficaz de fazer um autoexame. Bafejar na palma da mão ou passar uma gaze na língua nem sempre oferece a resposta correta. “Há pessoas com baixa salivação que tampouco têm a sensação de boca seca”, diz Arany Tunes. Agora, quando o bafo — ou uma sensação de gosto ruim na boca — persiste após a escovação, há bons sinais do problema. Uma das melhores formas de surpreendê-lo quando as próprias narinas não estão aptas a identificar o mau cheiro é sondar amigos ou familiares. E, caso a suspeita se confirme, correr para o dentista.

Roteiro contra o bafo

Hidrate-se
Como 99% da saliva é constituída de água, manter-se hidratado é fundamental para garantir a quantidade e a qualidade ideais do líquido.

Mastigue bem
Para tanto, aposte nos alimentos ricos em fibra. Duros de quebrar, eles exigem mais mordidas, o que incita a fabricação de saliva.

Controle o estresse
Como você já viu, a tensão míngua a produção salivar e ainda contribui com a multiplicação das bactérias que dominam a língua.

Maneire no álcool
Em excesso, ele provoca uma desidratação que não poupa a cavidade bucal. Quem já experimentou uma ressaca conhece bem a sensação de boca seca.

Não abuse de balas e afins
Se você recorre a elas de minuto em minuto, tome cuidado. Elas podem mascarar uma halitose e, em vez de resolver o problema, são capazes de amplificá-lo.

Coma a cada quatro horas
O jejum é um gatilho para o mau hálito. Portanto, trate de repartir as refeições ao longo do dia, de modo que seu corpo permaneça sempre abastecido.

Por um canteiro de flores
Exageros à parte, uma higienização bucal adequada ajuda, e muito, a espantar o mau hálito

Fio dental
Ele entra em ação para remover os restos de alimento que se depositam entre os dentes e a gengiva — uma refeição completa para as bactérias. “Deve ser usado antes da escova. Caso contrário, seria a mesma coisa que lavar a casa antes de varrê-la”, diz Ana Christina Kolbe. Se o fio apresentar marcas constantes de sangue ou ficar com manchas amarelas ou marrons, visite o dentista. Pode ser uma gengivite ou seu estágio mais grave, a periodontite.

Escova e pasta dentais
A higiene da boca é mecânica, ou seja, depende dos serviços prestados pela escova. É bobagem exagerar na porção de pasta, o que confere uma sensação ilusória de frescor. “A quantidade ideal é a de um grão de ervilha”, afirma Ana Christina. Com a carga correta, a escova está pronta para fazer a faxina de todos os dentes após as refeições. Vale caprichar na limpeza antes de dormir, porque, durante o sono, cai a oferta de saliva.

Enxaguatório
Existem dezenas de fórmulas do produto destinado aos bochechos. “O enxaguatório não faz mal à saúde, mas o perigo é substituir a escovação por ele”, diz Caroline Calil. Existem versões específicas e eficazes para combater o mau hálito, outras para controlar as cáries... O ideal, contudo, é que elas sejam receitadas pelo dentista. O uso indiscriminado de alguns antissépticos, sobretudo os que contêm álcool, pode causar lesões na mucosa da boca.

Limpador de língua
O utensílio faz mesmo a diferença. “Enquanto a escova retira 0,6 grama de saburra lingual, o limpador recolhe 2, 3 gramas”, compara Ana Christina. Tamanha presteza depende da eleição de um bom modelo — e, aí, o conselho é conversar com o seu dentista. Há mais vantagens que pesam a favor do limpador. “Mesmo no fundo da língua ele não provoca tanta ânsia”, diz Caroline. “Além disso, as cerdas da escova danificam mais as papilas gustativas”, conclui Ana.


De onde vem o mau cheiro?Conheça as principais causas da halitose
1 Saburra lingual A principal origem do mau hálito é um emaranhado de células mortas, restos de comida e bactérias que se depositam numa camada branca ou amarela sobre a língua, especialmente no finalzinho dela, perto da garganta. Ora, como os micro-organismos são avessos a oxigênio, é mais difícil montarem acampamento em sua ponta. Uma vez instalados, se alimentam e soltam gases à base de enxofre.
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2 Cáseos amigdalianos
São massas esbranquiçadas que se instalam em criptas das amígdalas. O formato anatômico dessas estruturas na garganta ou a recorrência de infecções ali favorecem o aparecimento das bolotas. “Elas se formam da mesma forma que a saburra”, diz o dentista Maurício Duarte. Portanto, a matéria-prima é a mesma. Se os cáseos escapam da garganta, lá vem o fedor.

3 Rinite e sinusite A boca tem comunicação direta com o nariz e os seios nasais. Quando eles ficam entupidos de muco e pus, as secreções deságuam na cavidade bucal e levantam o odor. “E como o indivíduo com sinusite respira pela boca, ela sofre um ressecamento”, diz a otorrinolaringologista Cleonice Hirata, da Universidade Federal de São Paulo. Cenário ideal, compartilhado pelas pessoas que roncam, para surgir o bafo.
4 Problemas intestinais Essa repercussão a distância não é motivada por um impulso da comida — ou das fezes — de se opor às leis da gravidade. “Transtornos que afetam os movimentos do intestino alteram sua flora bacteriana e favorecem a formação de compostos ricos em enxofre”, conta o gastroenterologista Francisco do Amaral. “Eles ganham a corrente sanguínea, passam pelos pulmões e são eliminados quando a gente fala.”
5 Gengivite e periodontite As bactérias que assolam a estrutura de sustentação dos dentes contaminam o hálito. “As lesões da doença periodontal são um reservatório de micro-organismos, que podem produzir compostos à base de enxofre”, diz o periodontista Enilson Sallum, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, no interior paulista. Quando há pus ou destruição do tecido, é impossível disfarçar o odor.
6 Diabete O mau hálito por aqui não tem aquele cheiro de putrefação típico do enxofre, mas lembra o da acetona. “Ele aparece quando o diabete está descontrolado e se formam substâncias chamadas corpos cetônicos”, explica a dentista Caroline Calil. Esses gases se originam principalmente no fígado, por causa da carência de glicose, e se despedem do corpo pela boca.